Ter um bicho faz bem à saúde

Os animais de estimação reinam nos lares brasileiros. E que bom! Surgem evidências de que, além da amizade e do carinho, o convívio com eles traz ganhos palpáveis à saúde.

Médicos, cientistas e companhia estão à caça de uma nova (e certeira) tática para domar o boom de doenças cardiovasculares. É uma busca preocupante: infartos e derrames figuram hoje como a principal causa de morte no mundo. A receita para prevenir o entupimento das artérias, você deve saber, passa por alimentação balanceada, atividade física, controle do estresse…

Na teoria, muito simples. Na prática, outros quinhentos. Ciente de que mudar o estilo de vida é, para a maioria das pessoas, uma missão hercúlea, a Associação Americana do Coração (AHA, na sigla em inglês) decidiu vasculhar outras estratégias capazes de viabilizar esse plano de contenção. E, após vasta pesquisa, chegou a um aliado inusitado. Ele é peludo, tem quatro patas e, às vezes, dá aquele olhar pidão.

O documento publicado pela AHA atesta categoricamente: ter um bicho de estimação, em especial um cachorro, reduz a probabilidade de sofrer um piripaque cardíaco. “Na última década, travamos conhecimento de diversos estudos associando os pets a um menor risco cardiovascular”, declara o cardiologista Glenn Levin, autor da revisão científica que embasa a entidade. Um desses trabalhos, feito na Austrália, analisou 5 741 pessoas e detectou que os donos de animais apresentam níveis de pressão arterial e gordura no sangue significativamente mais baixos do que os sujeitos sem um bicho em casa.

Outras pesquisas, que sedimentam a declaração da AHA, ajudam a entender achados como esse. Elas revelam que ter um cão nos deixa menos sedentários, por exemplo. Brincar e passear com o amigo quadrúpede torna as pessoas até 70% mais propensas a bater a meta recomendada de exercícios - no mínimo meia hora por dia, cinco vezes por semana. Já faz diferença para afugentar ameaças aos vasos sanguíneos, como colesterol alto e hipertensão.

Um levantamento australiano apurou que os passeios em volta do quarteirão acrescentam dez minutos ao tempo semanal de caminhadas. Parece pouco, mas ajuda a tirar o organismo da zona de conforto sedentário. Outro estudo, este da Universidade de Ohio, nos Estados Unidos, descobriu que os cães acabam com a desculpa de não andar pelas ruas porque espantam inclusive a sensação de insegurança (claro que o porte conta alguns pontos aqui). Aí, com a coleira na mão, aumentam as chances de o dono se safar também dos quilos extras.

Mas as vantagens não se restringem ao incentivo para hábitos saudáveis. A convivência afasta a solidão, reduz a tensão e injeta felicidade. Bastam 20 minutos de interação com o mascote - cachorro, gato, papagaio... - para uma cascata de neurotransmissores e hormônios inundar nosso corpo. Testes feitos pelo zoólogo sul-africano JohannesOdendaal registraram aumento na liberação de dopamina e endorfina (prazer), ocitocina (afeto) e feniletilamina (um antidepressivo natural). “São substâncias que contribuem para baixar o estresse e a pressão, importantes fatores de risco para o coração”, diz o cirurgião cardíaco Eduardo Keller Saadi, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

É lógico que ninguém propõe correr para a feira de filhotes com o único intuito de prevenir um infarto. O apego e o envolvimento com o bicho têm de ser legítimos - inclusive porque há toda uma rotina de cuidados com ele. Se isso ocorre de maneira natural, os dois são presenteados com um pacote generoso de bem-estar. Que o diga uma pesquisa da Universidade de Miami, em solo americano, que esmiuçou, por meio de questionários, a personalidade, o comportamento e os hábitos de 217 pessoas. A surpresa veio quando as respostas foram analisadas pelo seguinte critério: ser dono ou não de um pet. A primeira turma tinha autoestima mais elevada e lidava melhor com as preocupações cotidianas.

Mas não é necessariamente uma cabeça zen que se traduz num coração protegido. “O convívio com animais propicia uma maior variação na frequência cardíaca’’, conta Saadi. E essa alternância no ritmo de batimentos - mais pausada quando ficamos fazendo um cafuné no bicho no sofá, mais acelerada ao brincar com ele - já está relacionada a um menor risco de sustos ao peito. Parece que o coração não curte a mesmice e se fortalece com a mudança de estímulos.


Isso ajuda a explicar o papel positivo dos animais até quando o pior acontece e o sujeito enfarta. Uma equipe da Universidade da Cidade de Nova York acompanhou 369 americanos vítimas de ataque cardíaco e constatou que o índice de mortalidade foi quatro vezes maior entre os indivíduos que não moravam com um pet. A hipótese é que a relação com um mascote tenha uma repercussão direta na resposta do organismo a um estresse profundo - no caso, o infarto.


Um experimento de outra universidade americana, a de Buffalo, reforça essa ideia: os animais auxiliam a vencer o nervosismo após eventos que fazem a gente perder o chão. E, em algumas circunstâncias, o efeito da presença deles supera até o de medicamentos. No estudo, remédios para controlar a pressão foram testados em pessoas com ou sem um pet no lar. Em situações de muito estresse, as drogas em si se mostraram inócuas nos dois grupos. E é aí que o bicho pegou: os especialistas observaram que os donos de animais conseguiram obter um melhor controle da pressão pelo mero fato de tê-los ao lado em momentos ruins.

O melhor amigo da imunidade?
Estão surgindo pistas de que a convivência com bichos também deixa nosso sistema de defesa esperto - e essa influência, claro, seria mais impactante na infância. Diferentemente do que já se imaginou, a companhia de cães e gatos não eleva o risco de alergias em si, e inclusive protegeria crianças pequenas de infecções. “A imunidade se desenvolve mais precocemente quando se tem contato com os animais”, explica Luiz Fernando Jobim, chefe do Setor de Imunologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. É como se pelos, lambidas e as bactérias que pegam carona nelas treinassem nossas células para atacar o que, de fato, é perigoso.

Prova desse efeito vem de um trabalho do hospital americano Henry Ford, que monitorou 565 pessoas do nascimento aos 18 anos. Nesse meio-tempo, os cientistas colheram amostras de sangue e compararam a incidência de alergias. Primeira conclusão: não houve aumento de crises em indivíduos que viviam com animais desde cedo. Segunda conclusão: pessoas que, quando pequenas, foram criadas com um cão ou gato apresentaram um risco 50% menor de virarem alérgicas.

Uma investigação realizada lá na Finlândia e focada em bebês aponta que aqueles expostos a pets correm uma probabilidade 30% menor de desenvolver infecções respiratórias. Segundo Jobim, os pais não precisam temer tanto as alergias, a menos que a criança já tenha um histórico de reações do gênero. “Mas é importante lembrar que os pelos dos animais são como um tapete, capaz de juntar ácaros, os maiores vilões nesses casos”, alerta. Então já sabe: tem que manter a casa limpa, e os bichos com o banho em dia.

A paixão pelos animais é tamanha que cientistas estão tentando decifrar a tendência atual de optar por ter mais bichos de estimação do que filhos - algo que, como mostra o IBGE, já acontece no país. O fato é que, embora os motivos que levam as pessoas a adotar um labrador, um coelho ou um canário nem sempre sejam os mesmos, nossa atração por outras espécies tem razões biológicas e sociais, forjadas em milênios de convívio. Recentemente, um grupo de estudiosos suecos revelou que os cães foram domesticados entre 27 e 40 mil anos atrás. Sim, é uma troca de favores (eu lhe dou abrigo, você me dá proteção) muito antiga e que foi passada de geração em geração. As razões dessa amizade mudaram, mas permanece o apego hereditário por cachorros - e, com o tempo, por outros membros da fauna.

Aliás, a própria reação dos bebês diante dos pets atesta quão inato é esse apego. A psicóloga Vanessa LoBue e colegas da Universidade Rutgers, nos Estados Unidos, conduziram, em 2013, um experimento para testar se crianças de 1 a 3 anos preferiam brincar com bichos de pelúcia ou animais de verdade. Não deu outra: os pequenos gostam mesmo é de interagir com os tipos de carne, osso e sentimentos.

Na cabeça dos adultos, os bichos ganham realmente um status de crianças eternas, como comprovou um trabalho do Hospital Geral de Massachusetts, também em terra americana. Quatorze mães (no sentido literal) foram submetidas a exames de ressonância do crânio enquanto olhavam para fotos de seus filhos e de seus cãezinhos. A atividade cerebral evocada pelas imagens era semelhante nos dois casos, indicando que o instinto materno é estendido aos animais. “Ouvir o ronronar de um gato ou acariciar um bicho por cerca de 20 minutos também ativa a liberação de prolactina, hormônio ligado ao prazer e à produção de leite”, relata a psicóloga e pet terapeuta Karina Schultz, de Porto Alegre. Dá até pra entender aquele tratamento à base do “Vem aqui com a mamãe”, né?

Bichos são mais que bons companheiros. Muitos já ganharam o título de terapeutas. O potencial de cavalos, cães, gatos, coelhos e pássaros como coadjuvantes na reabilitação de pacientes é um foco crescente de estudos e experiências em hospitais. O geriatra Renato Guimarães implementou na Universidade de Brasília há mais de uma década um projeto pioneiro com cães e portadores de Alzheimer. “O contato com o animal ajuda a recuperar sentimentos perdidos”, observa. “Um dos pacientes voltou inclusive a cuidar do cãozinho que ele tinha em casa”, conta. É um treinamento cognitivo movido a afagos e lambidas.

Já a ONG americana Dogs4Diabetics adestra cachorros para reconhecer crises de hipoglicemia em donos diabéticos. As quedas no nível de açúcar no sangue provocam tremor, suor frio e taquicardia, mas podem evoluir para convulsão, perda de consciência e morte. Os animais aprendem a identificar os primeiros sinais e acenar, com latidos, para o proprietário. “Treinamos nossos cães para alcançar pelo menos 80% de eficácia nos alertas”, diz Ralph Hendrix, vice-presidente da ONG. Para o endocrinologista Carlos Eduardo Barra Couri, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto, só é preciso ter em mente que, em metade dos episódios de hipoglicemia, o sujeito não sente nada. “Por isso os cães não podem substituir o monitoramento constante com os aparelhos de medir glicose”, ressalva.

Os bichos vêm circulando por corredores de hospitais do Brasil e do mundo - como visitantes e coterapeutas. Na capital paulista, o Hospital Israelita Albert Einstein autoriza a visita de animais de estimação aos seus donos internados após autorização do médico e avaliação prévia do pet. A entidade diz que a iniciativa tem contribuído para reduzir o tempo de internação. No Hospital Infantil Sabará, também em São Paulo, cães treinados acompanhados de um instrutor entram nos quartos e salas para animar as crianças uma vez por semana. A tristeza e o medo cedem lugar a sorrisos. “Depois que os cães passam, elas aceitam melhor os procedimentos que as afligem”, conta a enfermeira Flávia José Russo, coordenadora do grupo de humanização do Sabará. “E assim o hospital se torna um ambiente menos hostil”, completa.

A terapia assistida por animais beneficia especialmente crianças com paralisia cerebral e distúrbios psiquiátricos. E, nesse ponto, merecem medalha de ouro os cavalos. Após a Primeira Guerra Mundial, médicos perceberam que, ao trotar em equinos, ex-soldados lesionados pelas batalhas se recuperavam mais depressa. “Hoje sabemos que isso se deve ao fato de o trote do cavalo ser similar ao da marcha humana”, explica a fisioterapeuta Mylena Medeiros, Ph.D. em equoterapia e autora de quatro livros sobre o tema. Para quem perdeu ou não possui equilíbrio ao andar, como vítimas de paralisia cerebral, o movimento do animal exige que o corpo faça uma série de ajustes posturais e movimentos de rotação e flexão que dificilmente são reproduzidos de outra forma. Daí os ganhos no desenvolvimento motor.

Pesquisas do Instituto de Psicologia da USP revelam, por sua vez, que crianças autistas, com dificuldade de interação social, apresentam melhoras em aspectos comportamentais e comunicativos com a terapia assistida por cães. A neurocientista Patrícia Lima Muñoz conduziu e filmou dez sessões desse tipo. Em uma delas, uma menina ficava o tempo todo no canto da sala, voltada para a parede e fazendo movimentos repetidos como debulhar o cabelo e se balançar. Na primeira vez que o cachorro entrou no recinto, sentou-se ao lado dela e ali permaneceu, como se dissesse “Estou aqui quando você precisar”. Na segunda consulta, o bicho arriscou uma aproximação e passou a acompanhar a garota no seu balanço. Na última, a menina saiu do cantinho e brincou com o novo amigo. “É incrível como os cães parecem saber exatamente como agir”, nota Patrícia. Uma sensibilidade que tem feito um bem danado à espécie humana há pelo menos 27 mil anos

CHECKLIST DO DONO
O que precisa ser levado em conta antes de adotar ou comprar um animal de estimação

ROTINA
Todo bicho requer atenção, mas alguns lidam melhor com donos que passam o dia fora de casa, como gatos, peixes, aves, répteis e coelhos, que dormem de dia e acordam à tardinha.

AMBIENTE
É a velha história de não querer criar um são-bernardo em um apartamento minúsculo. Animais maiores precisam de espaço. Se a casa é pequena, prefira um pet pequeno.

CRIANÇAS
O ideal é que elas convivam desde cedo com os bichinhos para não haver estranhamentos. Mas vale evitar pássaros, devido a bicadas e zoonoses, e os répteis, mais ariscos.

VIAGENS
Se você viaja muito por aí, informe- se antes sobre hospedagens próprias para o seu animal ou formas de levá-lo junto no carro ou avião sem estressá-lo demais.

CLIMA
Em geral, bichos sofrem mais no calor, sobretudo coelhos, chinchilas ou cães de focinho curto, que precisam ficar em ambientes frescos (às vezes até com ar condicionado).

FORA DE CASA
Não quer a obrigação de passear quase todo dia? Prefira gatos, peixes, pássaros, coelhos, hamsters ou répteis. Cães não são indicados, mesmo os de pequeno porte.

COMES E BEBES
Animais em geral precisam de livre acesso a água, que deve ser trocada regularmente. Na alimentação, o conselho é priorizar as rações de acordo com o porte. Comida natural está liberada se o veterinário autorizar

NO CHUVEIRO
Banhos são bem-vindos, mas no máximo uma vez por semana - e com produtos específicos. Tosas higiênicas, que compreendem apenas barriga, genitais e focinho, são recomendadas a cada 15 dias em algumas raças

PICADAS DO BEM
Há um esquema de vacinas para os pets novinhos, crucial para prevenir infecções fatais. Certos imunizantes, como o da raiva, exigem reforço anual. O veterinário dá recomendações específicas sobre o calendário individual.

OLÁ DOUTOR!
O ideal da prevenção já chegou ao consultório veterinário. Então leve o animal uma vez por ano, inclusive para ter orientações sobre antipulgas e vermifugações. Bichos idosos dependem de um checkup mais frequente.

FESTA TODO DIA
É essencial criar um espaço gostoso para o pet brincar e se exercitar - mesmo quando não estamos por perto. Brinquedos e prateleiras são venerados pelos gatos, enquanto os cães se divertem com bolinhas e correrias ao ar livre.

 QUAL É O SEU BICHO
Características que merecem ser respeitadas antes de você chamar um pet de seu

1 Cão pequeno:  Companheiros ideais para apartamentos. Lhasaapso, shihtzu e yorkshire são mais independentes, enquanto poodle, maltês e spitz, apegados ao dono. Pug e buldogue francês são quietinhos, e o chihuahua late à beça.

2 Cão médio: Bordercollie, goldenretriever e labrador são raças inteligentes, carinhosas e espoletas. Necessitam de espaço em casa e passeios. São indicados para famílias com crianças porque são fortes e toleram melhor brincadeiras.

3 Cão de guarda: Eles não servem só para defender a casa, não. O boxer é brincalhão e interage com as crianças. O rottweiler até pode ser dócil e exige um bom quintal. Pit bulls são agressivos com outras raças, mas não com os donos (desde que sejam bem tratados).

4 Cão grande: Apesar do tamanho, raças como são-bernardo e dogue alemão são reservadas. Podem ser desastrados quando jovens e necessitam de espaço e passeios frequentes. O dono também precisa ter força para conduzi-los por aí.

5 Gato peludo: Persas e himalaias adoram dormir no colo e receber carinho, por isso são recomendados para casas com crianças ou para quem nunca teve felinos. São calmos e tímidos com estranhos. Sua vasta pelagem cobra alguns cuidados.

6 Gato de pelo curto: Siameses são imprevisíveis: ora calmos e fiéis, ora mal-humorados. Já os vira-latas não têm um perfil único. Por isso, antes de adotá-los, analise o comportamento. Em todo caso, eles ficam mais amáveis ao se acostumar com o novo lar.

7 Pássaros: Calopsitas, periquitos e papagaios curtem a interação com os humanos, enquanto canários são cantores reservados. Atenção: só vale comprar em criadouros autorizados, e é melhor criá-los desde cedo para que se adaptem ao ambiente

8 Tartaruga: Pode viver décadas, mas você tem de oferecer alimentação com frutas e verduras frescas, espaço para ficar ao sol e um pouco de água para nadar. Não espere interação e delimite o hábitat para evitar que elas se percam ou corram riscos.

9 Peixes: São animais de observação, que acalmam só de olhar. Vivem até cinco anos e não necessitam de um baita espaço. O aquário pede manutenção, e vale checar que espécies convivem bem — betas são solitários por natureza.

10 Repteis: Lagartos se dão bem em pátios com árvores e se deliciam com insetos. Até gostam de um carinho, mas têm hábitos noturnos. Iguanas amam um galho e um cardápio de folhas verdes. Só tenha atenção com as garras delas.

11 Cavalos: Podem ser muito dóceis, ainda mais se forem acostumados com o dono desde pequenos. Não existe uma raça mais amigável, mas cavalos de marcha castrados são muito indicados. Pesam no bolso, uma vez que são criados em sítios ou haras.

12 Roedores: Os coelhos anões são amáveis, independentes e se limpam sozinhos. Vivem uns oito anos e roem até roupa (!). Hamsters cobram gaiolas espaçosas com brinquedos. Como são sensíveis, nada de ficar pegando neles toda hora.


Vilas Magazine

Os animais de estimação reinam nos lares brasileiros. E que bom! Surgem evidências de que, além da amizade e do carinho, o convívio com eles traz ganhos palpáveis à saúde.
 Médicos, cientistas e companhia estão à caça de uma nova (e certeira) tática para domar o boom de doenças cardiovasculares. É uma busca preocupante: infartos e derrames figuram hoje como a principal causa de morte no mundo. A receita para prevenir o entupimento das artérias, você deve saber, passa por alimentação balanceada, atividade física, controle do estresse…
Na teoria, muito simples. Na prática, outros quinhentos. Ciente de que mudar o estilo de vida é, para a maioria das pessoas, uma missão hercúlea, a Associação Americana do Coração (AHA, na sigla em inglês) decidiu vasculhar outras estratégias capazes de viabilizar esse plano de contenção. E, após vasta pesquisa, chegou a um aliado inusitado. Ele é peludo, tem quatro patas e, às vezes, dá aquele olhar pidão.
O documento publicado pela AHA atesta categoricamente: ter um bicho de estimação, em especial um cachorro, reduz a probabilidade de sofrer um piripaque cardíaco. “Na última década, travamos conhecimento de diversos estudos associando os pets a um menor risco cardiovascular”, declara o cardiologista Glenn Levin, autor da revisão científica que embasa a entidade. Um desses trabalhos, feito na Austrália, analisou 5 741 pessoas e detectou que os donos de animais apresentam níveis de pressão arterial e gordura no sangue significativamente mais baixos do que os sujeitos sem um bicho em casa.
Outras pesquisas, que sedimentam a declaração da AHA, ajudam a entender achados como esse. Elas revelam que ter um cão nos deixa menos sedentários, por exemplo. Brincar e passear com o amigo quadrúpede torna as pessoas até 70% mais propensas a bater a meta recomendada de exercícios - no mínimo meia hora por dia, cinco vezes por semana. Já faz diferença para afugentar ameaças aos vasos sanguíneos, como colesterol alto e hipertensão.
Um levantamento australiano apurou que os passeios em volta do quarteirão acrescentam dez minutos ao tempo semanal de caminhadas. Parece pouco, mas ajuda a tirar o organismo da zona de conforto sedentário. Outro estudo, este da Universidade de Ohio, nos Estados Unidos, descobriu que os cães acabam com a desculpa de não andar pelas ruas porque espantam inclusive a sensação de insegurança (claro que o porte conta alguns pontos aqui). Aí, com a coleira na mão, aumentam as chances de o dono se safar também dos quilos extras.
Mas as vantagens não se restringem ao incentivo para hábitos saudáveis. A convivência afasta a solidão, reduz a tensão e injeta felicidade. Bastam 20 minutos de interação com o mascote - cachorro, gato, papagaio... - para uma cascata de neurotransmissores e hormônios inundar nosso corpo. Testes feitos pelo zoólogo sul-africano JohannesOdendaal registraram aumento na liberação de dopamina e endorfina (prazer), ocitocina (afeto) e feniletilamina (um antidepressivo natural). “São substâncias que contribuem para baixar o estresse e a pressão, importantes fatores de risco para o coração”, diz o cirurgião cardíaco Eduardo Keller Saadi, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
É lógico que ninguém propõe correr para a feira de filhotes com o único intuito de prevenir um infarto. O apego e o envolvimento com o bicho têm de ser legítimos - inclusive porque há toda uma rotina de cuidados com ele. Se isso ocorre de maneira natural, os dois são presenteados com um pacote generoso de bem-estar. Que o diga uma pesquisa da Universidade de Miami, em solo americano, que esmiuçou, por meio de questionários, a personalidade, o comportamento e os hábitos de 217 pessoas. A surpresa veio quando as respostas foram analisadas pelo seguinte critério: ser dono ou não de um pet. A primeira turma tinha autoestima mais elevada e lidava melhor com as preocupações cotidianas.
 Mas não é necessariamente uma cabeça zen que se traduz num coração protegido. “O convívio com animais propicia uma maior variação na frequência cardíaca’’, conta Saadi. E essa alternância no ritmo de batimentos - mais pausada quando ficamos fazendo um cafuné no bicho no sofá, mais acelerada ao brincar com ele - já está relacionada a um menor risco de sustos ao peito. Parece que o coração não curte a mesmice e se fortalece com a mudança de estímulos.
Isso ajuda a explicar o papel positivo dos animais até quando o pior acontece e o sujeito enfarta. Uma equipe da Universidade da Cidade de Nova York acompanhou 369 americanos vítimas de ataque cardíaco e constatou que o índice de mortalidade foi quatro vezes maior entre os indivíduos que não moravam com um pet. A hipótese é que a relação com um mascote tenha uma repercussão direta na resposta do organismo a um estresse profundo - no caso, o infarto.
Um experimento de outra universidade americana, a de Buffalo, reforça essa ideia: os animais auxiliam a vencer o nervosismo após eventos que fazem a gente perder o chão. E, em algumas circunstâncias, o efeito da presença deles supera até o de medicamentos. No estudo, remédios para controlar a pressão foram testados em pessoas com ou sem um pet no lar. Em situações de muito estresse, as drogas em si se mostraram inócuas nos dois grupos. E é aí que o bicho pegou: os especialistas observaram que os donos de animais conseguiram obter um melhor controle da pressão pelo mero fato de tê-los ao lado em momentos ruins.

O melhor amigo da imunidade?
Estão surgindo pistas de que a convivência com bichos também deixa nosso sistema de defesa esperto - e essa influência, claro, seria mais impactante na infância. Diferentemente do que já se imaginou, a companhia de cães e gatos não eleva o risco de alergias em si, e inclusive protegeria crianças pequenas de infecções. “A imunidade se desenvolve mais precocemente quando se tem contato com os animais”, explica Luiz Fernando Jobim, chefe do Setor de Imunologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. É como se pelos, lambidas e as bactérias que pegam carona nelas treinassem nossas células para atacar o que, de fato, é perigoso.
Prova desse efeito vem de um trabalho do hospital americano Henry Ford, que monitorou 565 pessoas do nascimento aos 18 anos. Nesse meio-tempo, os cientistas colheram amostras de sangue e compararam a incidência de alergias. Primeira conclusão: não houve aumento de crises em indivíduos que viviam com animais desde cedo. Segunda conclusão: pessoas que, quando pequenas, foram criadas com um cão ou gato apresentaram um risco 50% menor de virarem alérgicas.
Uma investigação realizada lá na Finlândia e focada em bebês aponta que aqueles expostos a pets correm uma probabilidade 30% menor de desenvolver infecções respiratórias. Segundo Jobim, os pais não precisam temer tanto as alergias, a menos que a criança já tenha um histórico de reações do gênero. “Mas é importante lembrar que os pelos dos animais são como um tapete, capaz de juntar ácaros, os maiores vilões nesses casos”, alerta. Então já sabe: tem que manter a casa limpa, e os bichos com o banho em dia.
A paixão pelos animais é tamanha que cientistas estão tentando decifrar a tendência atual de optar por ter mais bichos de estimação do que filhos - algo que, como mostra o IBGE, já acontece no país. O fato é que, embora os motivos que levam as pessoas a adotar um labrador, um coelho ou um canário nem sempre sejam os mesmos, nossa atração por outras espécies tem razões biológicas e sociais, forjadas em milênios de convívio. Recentemente, um grupo de estudiosos suecos revelou que os cães foram domesticados entre 27 e 40 mil anos atrás. Sim, é uma troca de favores (eu lhe dou abrigo, você me dá proteção) muito antiga e que foi passada de geração em geração. As razões dessa amizade mudaram, mas permanece o apego hereditário por cachorros - e, com o tempo, por outros membros da fauna.
Aliás, a própria reação dos bebês diante dos pets atesta quão inato é esse apego. A psicóloga Vanessa LoBue e colegas da Universidade Rutgers, nos Estados Unidos, conduziram, em 2013, um experimento para testar se crianças de 1 a 3 anos preferiam brincar com bichos de pelúcia ou animais de verdade. Não deu outra: os pequenos gostam mesmo é de interagir com os tipos de carne, osso e sentimentos.
Na cabeça dos adultos, os bichos ganham realmente um status de crianças eternas, como comprovou um trabalho do Hospital Geral de Massachusetts, também em terra americana. Quatorze mães (no sentido literal) foram submetidas a exames de ressonância do crânio enquanto olhavam para fotos de seus filhos e de seus cãezinhos. A atividade cerebral evocada pelas imagens era semelhante nos dois casos, indicando que o instinto materno é estendido aos animais. “Ouvir o ronronar de um gato ou acariciar um bicho por cerca de 20 minutos também ativa a liberação de prolactina, hormônio ligado ao prazer e à produção de leite”, relata a psicóloga e pet terapeuta Karina Schultz, de Porto Alegre. Dá até pra entender aquele tratamento à base do “Vem aqui com a mamãe”, né?
Bichos são mais que bons companheiros. Muitos já ganharam o título de terapeutas. O potencial de cavalos, cães, gatos, coelhos e pássaros como coadjuvantes na reabilitação de pacientes é um foco crescente de estudos e experiências em hospitais. O geriatra Renato Guimarães implementou na Universidade de Brasília há mais de uma década um projeto pioneiro com cães e portadores de Alzheimer. “O contato com o animal ajuda a recuperar sentimentos perdidos”, observa. “Um dos pacientes voltou inclusive a cuidar do cãozinho que ele tinha em casa”, conta. É um treinamento cognitivo movido a afagos e lambidas.
 Já a ONG americana Dogs4Diabetics adestra cachorros para reconhecer crises de hipoglicemia em donos diabéticos. As quedas no nível de açúcar no sangue provocam tremor, suor frio e taquicardia, mas podem evoluir para convulsão, perda de consciência e morte. Os animais aprendem a identificar os primeiros sinais e acenar, com latidos, para o proprietário. “Treinamos nossos cães para alcançar pelo menos 80% de eficácia nos alertas”, diz Ralph Hendrix, vice-presidente da ONG. Para o endocrinologista Carlos Eduardo Barra Couri, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto, só é preciso ter em mente que, em metade dos episódios de hipoglicemia, o sujeito não sente nada. “Por isso os cães não podem substituir o monitoramento constante com os aparelhos de medir glicose”, ressalva.
Os bichos vêm circulando por corredores de hospitais do Brasil e do mundo - como visitantes e coterapeutas. Na capital paulista, o Hospital Israelita Albert Einstein autoriza a visita de animais de estimação aos seus donos internados após autorização do médico e avaliação prévia do pet. A entidade diz que a iniciativa tem contribuído para reduzir o tempo de internação. No Hospital Infantil Sabará, também em São Paulo, cães treinados acompanhados de um instrutor entram nos quartos e salas para animar as crianças uma vez por semana. A tristeza e o medo cedem lugar a sorrisos. “Depois que os cães passam, elas aceitam melhor os procedimentos que as afligem”, conta a enfermeira Flávia José Russo, coordenadora do grupo de humanização do Sabará. “E assim o hospital se torna um ambiente menos hostil”, completa.
 A terapia assistida por animais beneficia especialmente crianças com paralisia cerebral e distúrbios psiquiátricos. E, nesse ponto, merecem medalha de ouro os cavalos. Após a Primeira Guerra Mundial, médicos perceberam que, ao trotar em equinos, ex-soldados lesionados pelas batalhas se recuperavam mais depressa. “Hoje sabemos que isso se deve ao fato de o trote do cavalo ser similar ao da marcha humana”, explica a fisioterapeuta Mylena Medeiros, Ph.D. em equoterapia e autora de quatro livros sobre o tema. Para quem perdeu ou não possui equilíbrio ao andar, como vítimas de paralisia cerebral, o movimento do animal exige que o corpo faça uma série de ajustes posturais e movimentos de rotação e flexão que dificilmente são reproduzidos de outra forma. Daí os ganhos no desenvolvimento motor.
Pesquisas do Instituto de Psicologia da USP revelam, por sua vez, que crianças autistas, com dificuldade de interação social, apresentam melhoras em aspectos comportamentais e comunicativos com a terapia assistida por cães. A neurocientista Patrícia Lima Muñoz conduziu e filmou dez sessões desse tipo. Em uma delas, uma menina ficava o tempo todo no canto da sala, voltada para a parede e fazendo movimentos repetidos como debulhar o cabelo e se balançar. Na primeira vez que o cachorro entrou no recinto, sentou-se ao lado dela e ali permaneceu, como se dissesse “Estou aqui quando você precisar”. Na segunda consulta, o bicho arriscou uma aproximação e passou a acompanhar a garota no seu balanço. Na última, a menina saiu do cantinho e brincou com o novo amigo. “É incrível como os cães parecem saber exatamente como agir”, nota Patrícia. Uma sensibilidade que tem feito um bem danado à espécie humana há pelo menos 27 mil anos

CHECKLIST DO DONO
O que precisa ser levado em conta antes de adotar ou comprar um animal de estimação

ROTINA
Todo bicho requer atenção, mas alguns lidam melhor com donos que passam o dia fora de casa, como gatos, peixes, aves, répteis e coelhos, que dormem de dia e acordam à tardinha.

AMBIENTE
É a velha história de não querer criar um são-bernardo em um apartamento minúsculo. Animais maiores precisam de espaço. Se a casa é pequena, prefira um pet pequeno.

CRIANÇAS
O ideal é que elas convivam desde cedo com os bichinhos para não haver estranhamentos. Mas vale evitar pássaros, devido a bicadas e zoonoses, e os répteis, mais ariscos.

VIAGENS
Se você viaja muito por aí, informe- se antes sobre hospedagens próprias para o seu animal ou formas de levá-lo junto no carro ou avião sem estressá-lo demais.

CLIMA
Em geral, bichos sofrem mais no calor, sobretudo coelhos, chinchilas ou cães de focinho curto, que precisam ficar em ambientes frescos (às vezes até com ar condicionado).

FORA DE CASA
Não quer a obrigação de passear quase todo dia? Prefira gatos, peixes, pássaros, coelhos, hamsters ou répteis. Cães não são indicados, mesmo os de pequeno porte.

COMES E BEBES
Animais em geral precisam de livre acesso a água, que deve ser trocada regularmente. Na alimentação, o conselho é priorizar as rações de acordo com o porte. Comida natural está liberada se o veterinário autorizar

NO CHUVEIRO
Banhos são bem-vindos, mas no máximo uma vez por semana - e com produtos específicos. Tosas higiênicas, que compreendem apenas barriga, genitais e focinho, são recomendadas a cada 15 dias em algumas raças

PICADAS DO BEM
Há um esquema de vacinas para os pets novinhos, crucial para prevenir infecções fatais. Certos imunizantes, como o da raiva, exigem reforço anual. O veterinário dá recomendações específicas sobre o calendário individual.

OLÁ DOUTOR!
O ideal da prevenção já chegou ao consultório veterinário. Então leve o animal uma vez por ano, inclusive para ter orientações sobre antipulgas e vermifugações. Bichos idosos dependem de um checkup mais frequente.

FESTA TODO DIA
É essencial criar um espaço gostoso para o pet brincar e se exercitar - mesmo quando não estamos por perto. Brinquedos e prateleiras são venerados pelos gatos, enquanto os cães se divertem com bolinhas e correrias ao ar livre.

 QUAL É O SEU BICHO
Características que merecem ser respeitadas antes de você chamar um pet de seu

1 Cão pequeno:  Companheiros ideais para apartamentos. Lhasaapso, shihtzu e yorkshire são mais independentes, enquanto poodle, maltês e spitz, apegados ao dono. Pug e buldogue francês são quietinhos, e o chihuahua late à beça.
2 Cão médio: Bordercollie, goldenretriever e labrador são raças inteligentes, carinhosas e espoletas. Necessitam de espaço em casa e passeios. São indicados para famílias com crianças porque são fortes e toleram melhor brincadeiras.
3 Cão de guarda: Eles não servem só para defender a casa, não. O boxer é brincalhão e interage com as crianças. O rottweiler até pode ser dócil e exige um bom quintal. Pit bulls são agressivos com outras raças, mas não com os donos (desde que sejam bem tratados).
4 Cão grande: Apesar do tamanho, raças como são-bernardo e dogue alemão são reservadas. Podem ser desastrados quando jovens e necessitam de espaço e passeios frequentes. O dono também precisa ter força para conduzi-los por aí.
5 Gato peludo: Persas e himalaias adoram dormir no colo e receber carinho, por isso são recomendados para casas com crianças ou para quem nunca teve felinos. São calmos e tímidos com estranhos. Sua vasta pelagem cobra alguns cuidados.
6 Gato de pelo curto: Siameses são imprevisíveis: ora calmos e fiéis, ora mal-humorados. Já os vira-latas não têm um perfil único. Por isso, antes de adotá-los, analise o comportamento. Em todo caso, eles ficam mais amáveis ao se acostumar com o novo lar.
7 Pássaros: Calopsitas, periquitos e papagaios curtem a interação com os humanos, enquanto canários são cantores reservados. Atenção: só vale comprar em criadouros autorizados, e é melhor criá-los desde cedo para que se adaptem ao ambiente
8 Tartaruga: Pode viver décadas, mas você tem de oferecer alimentação com frutas e verduras frescas, espaço para ficar ao sol e um pouco de água para nadar. Não espere interação e delimite o hábitat para evitar que elas se percam ou corram riscos.
9 Peixes: São animais de observação, que acalmam só de olhar. Vivem até cinco anos e não necessitam de um baita espaço. O aquário pede manutenção, e vale checar que espécies convivem bem — betas são solitários por natureza.
10 Repteis: Lagartos se dão bem em pátios com árvores e se deliciam com insetos. Até gostam de um carinho, mas têm hábitos noturnos. Iguanas amam um galho e um cardápio de folhas verdes. Só tenha atenção com as garras delas.
11 Cavalos: Podem ser muito dóceis, ainda mais se forem acostumados com o dono desde pequenos. Não existe uma raça mais amigável, mas cavalos de marcha castrados são muito indicados. Pesam no bolso, uma vez que são criados em sítios ou haras.
12 Roedores: Os coelhos anões são amáveis, independentes e se limpam sozinhos. Vivem uns oito anos e roem até roupa (!). Hamsters cobram gaiolas espaçosas com brinquedos. Como são sensíveis, nada de ficar pegando neles toda hora.


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